“Para corresponder às necessidades de alargamento de espaço e melhor equipamento da zona portuária, D. Manuel manda proceder a grandes obras de aterragem na ribeira de Lisboa, datando destas obras a recuperação da larga plataforma, onde se viria a delinear o Terreiro do Paço, mandado construir, entre 1500 e 1504, o novo Paço Real, para onde se transfere em 1505, dos Paços de Alcáçova, iniciando, com esta edificação, uma série de outros importantes empreendimentos que consagrarão, definitivamente, o Terreiro do Paço como centro político e administrativo da cidade. Ao mesmo tempo que transferia o centro da cidade para a Ribeira de Lisboa, D. Manuel levantava, em Belém, a Torre de S. Vicente, vulgarmente conhecida por Torre de Belém, que, com a Torre Velha da Trafaria, passou, desde então, a controlar a entrada marítima de Lisboa, e o magnífico Mosteiro dos Jerónimos, símbolo e consagração dos Descobrimentos Portugueses.
Toda a vida da Cidade parecia ter-se concentrado na Ribeira, arrastando consigo, naturalmente, a parte mais importante do equipamento urbano, mercados, tabernas, casas de comida e as hospedarias necessárias para albergar uma população flutuante.
Aproveitando as boas condições para o negócio, e as maiores facilidades de acesso para os produtos, surgiram, desde finais de Quatrocentos, numerosas tendas ou boticas nos alpendres do Terreiro do Paço que depois se haviam de estender ao Pátio da Capela Real, onde apareciam os artigos mais diversos e se viam, ao lado do artesanato local, produtos provenientes de distantes regiões do globo, trabalhos de marfim e laca, cocos lavrados ao torno, quinquilharias diversas, fazendo concorrência às elegantes lojas da Rua Nova.
Também os vendedores ambulantes encontraram no Terreiro do Paço o seu poiso preferido, e o principal mercado de comestíveis da cidade, depois conhecido por Mercado da Ribeira Velha que, em princípio de Quinhentos, se acoitava ao lado oriental do Terreiro do Paço, junto de Alpendres e na proximidade do Açougue do Peixe, que ficava à entrada do Pelourinho Velho, o qual passou, em finais do século, a ocupar a praça da Ribeira Velha, transformando-se, com seus lugares distintos para a venda da fruta, venda de hortaliça, venda de peixe, venda de pão, etc., tanques para lavagem do peixe, lugares para as escamadeiras, etc., num dos mais bem equipados e movimentados da Europa, elogiado pela sua organização, abundância e variedade de produtos. Nele, ao lado dos produtos da terra, ou de importação europeia, como a manteiga de Flandres, apareciam espécies exóticas, as tâmaras, os cocos, especiarias diversas, e outros produtos que se começavam, então, a divulgar, como as laranjas da China. Era também na Ribeira, junto do edifício da Alfândega, que se encontrava o principal mercado de pão, onde acorriam as padeiras a vender pão “bom e alvo” que fabricavam em suas casas.”
(Irisalva Moita, Lisboa Quinhentista
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